O café e a elite coronelista em Manhuaçu

Foto datada do século XIX, pertencente à Casa de Cultura de Manhuaçu, que é considerada a mais antiga foto panorâmica da cidade

Cidade historicamente agrícola e tendo na cultura cafeeira seu pilar econômico, o município de Manhuaçu surgiu em meados do século XIX, após o declínio aurífero no Estado de Minas Gerais. Com a redução drástica da mineração no Estado, principalmente em sua capital, Ouro Preto, o próprio Governo Imperial passou a emitir cartas para que as pessoas tentassem a penetração na região de divisa com o Estado do Espírito Santo, na tentativa de se descobrir novas minas. Nestas cartas o império oferecia aos descobridores títulos de nobreza e terras.
A Zona da Mata, onde surgiu Manhuaçu, despertava a cobiça dos estados da Bahia, Espírito Santo e de Minas Gerais. Ela era uma das últimas regiões a ser colonizada entre estes estados por três fatores: topografia muito acidentada, mata fechada e presença de povos indígenas agressivos à aproximação com os brancos. Mas a necessidade de se buscar novas minas despertou a cobiça entre muitos. Anos depois, após a frustração com o propósito de mineração, ficou o café como a nova riqueza a ser explorada.
A destruição de povos e culturas primitivas que habitavam esta região, na primeira metade do século XIX, ação esta travestida de “pacificação”, foi o primeiro passo para esta colonização, que culminou com a demarcação das fronteiras entre as então províncias de Minas Gerais e do Espírito Santo, cabendo a vertente ocidental da Serra do Caparaó à província mineira. Paralelamente, com o fim previsto da escravização no Brasil, começava a mudar o contexto econômico do país, e a riqueza gerada pela produção de café despertou a cobiça nas pessoas. E a partir do declínio da mineração, restavam aos mineiros o investimento nas lavouras cafeeiras.
Deste modo, a influência cafeeira passou a determinar a economia da região onde surgia a vila de São Lourenço de Manhuaçu, atual Manhuaçu. Isso fez com que pequenos produtores se transformassem em pequenos empresários e posteriormente em coronéis. Pois um fator que permitiu a efetivação do poder de mando em suas terras pelos coronéis – conforme retratado na página 108 do livro A República do Silêncio, do professor Flávio Mateus dos Santos –, era a adesão nas forças militares com a compra de títulos militares ou a própria nomeação. Essa alternativa ajudava aos proprietários a evitar a ameaça de posseiros invadirem suas terras. E de fato, nenhum coronel de Manhuaçu teve suas terras invadidas por posseiros. Ao comprarem títulos, os coronéis, majores, capitães, além de se figurarem ao lado do governo da república recém-formada, estabeleciam relações de clientelismo com as elites locais que figuravam no cenário político. O investimento no café permitia a ascensão social destes grupos que figuravam no município de Manhuaçu. Entre eles, surgiu a pessoa do coronel Serafim Tibúrcio, que chegou ao município como vendedor de fumo e em pouco tempo chegou ao cargo de coletor de impostos, graças ao clientelismo praticado com distintas figuras do cenário da região. E através deste suporte político que ganhou nos bastidores, ele conseguiu enriquecer após se tornar o proprietário da primeira máquina de beneficiamento do grão em todo o município.
Da mesma forma que determinados indivíduos ascendiam socialmente, determinando novos caminhos para a política clientelista, também outros grupos, de facções políticas locais, procuravam seu espaço no novo contexto que surgia, diante do crescimento econômico em toda a região.
Manhuaçu possuía uma grande quantidade de políticos ligados à esfera militar com suas patentes compradas ou nomeadas, como a do coronel João do Calhau e a do coronel Serafim Tibúrcio. Dentre eles se destacam dois grupos representando facções políticas que se dividiram após a proclamação da República. São elas: a dos dolabelistas (coronel Frederico, coronel David Lopes Abelha, coronel Leopoldo Nogueira da Gama, promotor público em 1.894 e coronel Nicolau), e a facção dos serafinistas (coronel Antônio Rafael Martins de Freitas, coronel José Bento Barbosa, coronel Joaquim José dos Santos Mestre, que foi o 1º prefeito de Caratinga, e os capitães José Ramalho, de Ipanema, Antônio José Rodrigues, de Caratinga e Manoel Soares de Souza, de Entre Folhas). 
O grupo dos serafinistas era maior que o grupo dos dolabelistas, possuindo um maior número de homens nas esferas militares. Porém, os dolabelistas possuíam um contato com o irmão do deputado Henrique Diniz, que no período de 1894 era membro do mesmo grupo político do governador do Estado de Minas Gerais, Crispim Jaques Bias Fortes, além de terem também o apoio do juiz da Comarca de Manhuaçu. Deste modo, através de relações de clientelismo, os dolabelistas conseguiam administrar maiores recursos que os serafinistas.
Os políticos que não conseguiam estabelecer suas alianças em bases muito fortes, tendiam a desaparecer. Isso aconteceu com o governador Cesário Alvim após a ascensão de Bias Fortes e em detrimento disso, também aconteceu com Serafim Tibúrcio em Manhuaçu, que não conseguiu estabelecer alianças com os grupos que substituíram Cesário Alvim.
Percebe-se que o coronelismo estava presente no cenário da trama como o mecanismo principal pelo qual os protagonistas da história de Manhuaçu tiveram o acesso ao poder público local, com instrumentos para se perpetuarem ao mesmo tempo em que afastavam seus inimigos do poder e com o poder econômico proveniente das riquezas geradas pelo café.
Tal situação contribuiu para que homens como Serafim Tibúrcio se firmasse no poder público, ascendesse socialmente e perseguisse seus inimigos. Artimanha utilizada também pelo vigário Odorico Dolabela ao se tornar prefeito do município de Manhuaçu, com o objetivo de enfraquecer Serafim Tibúrcio. Artimanha esta que provocou o movimento de criação da República de Manhuassu, que foi contada na edição do jornal Diário de Manhuaçu de domingo passado.

As informações para condução do texto foram baseadas em arquivo contido no livro “A República do Silêncio”, e que foram gentilmente cedidas pelo seu escritor, o professor de História, Flávio Mateus dos Santos.

Publicado em 14 de abril de 2013