‘Na lente da história’: Serafim Tibúrcio

Coronel Serafim Tibrcio
Começar esta coluna em grande estilo era um desafio que aceitamos com satisfação e convicção. Mas como, diante de um passado tão glorioso, poderíamos destacar qual fato inauguraria esta página? Então definimos uma parte da história de Manhuaçu em seus primórdios, que vem se tornando mais clara principalmente após a edição do livro ‘A República do Silêncio’, do professor de História Flávio Mateus dos Santos.
Contamos aqui um pouco sobre o Coronel Serafim Tibúrcio da Costa. Um homem trazido por João Alves Costa para exercer o cargo de cobrador de impostos. Sendo um homem culto, foi construindo um círculo de amizades bem próximo aos grandes nomes das ideologias republicanas da época, que lhe conferiu, anos depois da saída de sua cidade natal, Jequeri, então um distrito da cidade de Ponte Nova, a promoção de delegado de polícia em São Lourenço de Manhuaçu, o antigo nome de nossa cidade.
Atualmente conhecido como um dos maiores produtores de café do Brasil, já naquela época, as largas plantações de café da região davam a energia que os coronéis precisavam para disputarem a administração do local. A proximidade com o litoral, a pecuária e a extração de madeira também tornavam Manhuaçu um cobiçado polo econômico, que atraía diversos forasteiros. Além dos assassinatos, o poder também era assegurado através da imprensa local, como o jornal ‘O Manhuassu’, criado pelo coronel Serafim Tibúrcio.

SERAFIM E A POLÍTICA
Galgando autoridade, notoriedade e simpatia entre a população, o coronel disputou em 1892 as eleições municipais, sendo eleito prefeito. Em 1894, tentou a reeleição e foi derrotado pelo padre Odorico Dolabela, que concorreu de modo fraudulento, segundo os seus opositores. O padre Dolabela e seu irmão Frederico eram expoentes do poder local e ferrenhos opositores do grupo de Tibúrcio.
O coronel Serafim Tibúrcio reuniu documentos que comprovariam a fraude e recorreu ao governador de Minas Gerais, Crispim Jaques Bias Fortes. Porém, este não o apoiou na reivindicação, pois era o governador simpatizante da ala política contrária a Serafim e apoiador do vigário Odorico Dolabela. Nas urnas, 623 votos separaram o coronel do vigário. Porém, apesar do apoio popular, Tibúrcio não assumiu o comando da cidade. De certa maneira, o poder de mando dos chefes políticos locais era institucionalizado pela legislação, que dava grande autonomia do município em relação ao Estado.

REPÚBLICA
Tibúrcio retornou para Manhuaçu e encontrou uma situação ainda pior. Seus asseclas tiveram as terras expropriadas e o vigário iniciou uma forte campanha de difamação do coronel através de novos jornais da região, como ‘O Monitor’ e a ‘Folha de Barbacena’. Entre as acusações, estaria o crime de falsificação de dinheiro. Ironia do destino: em breve, Serafim Tibúrcio criaria sua própria moeda, o Boró. Apoiado pelo coronel João dos Santos Coimbra, reuniu um contingente de 800 homens, entre moradores e jagunços da região, e expulsou as autoridades em 10 de maio de 1896. Então, tomou o controle da região e proclamou a República de Manhuassu, independente do Brasil no dia 15 daquele mesmo mês.
Conforme relatos no Diário Oficial do Estado de Minas Gerais, o coronel logo nomeou seus seguidores para cargos de administração dos diferentes setores do município e criou o “Boró”, uma moeda que circulou durante a breve vida da república. Já a ambição de Serafim foi grande e cruzou fronteiras. Com suas tropas, ele comandou invasões em direção ao estado do Espírito Santo, chamando ainda mais a atenção das tropas do governo para a insurgência.

A QUEDA
Ao ficar sabendo dos acontecimentos, Bias Fortes tentou conter a revolta enviando um contingente de 25 homens, que foram rapidamente abatidos pelo exército de Serafim. O governador decide enviar mais 100 combatentes e novamente amarga uma derrota.  Sem mecanismos de ataques, ele pede ajuda ao vice-presidente Manuel Vitorino, que ordena a ida de 380 soldados das tropas federais.
Além do cerco e da falta de recursos para enfrentar o exército, os próprios amigos do coronel Serafim já viam com desconfiança a República Manhuassu e aconselhavam seu líder a desistir dos planos. Tibúrcio acata os conselhos e foge em direção ao Espírito Santo. Estranhamente, as tropas não o perseguem e limitam-se a derrubar a recém-fundada república e restaurar a influência federal em Manhuaçu. Durante décadas, os inimigos do coronel governaram o município, estabelecendo um pacto silencioso para não tocar no assunto da insurgência em função das mortes, inimizades e dolorosas lembranças de tal experiência histórica.

MEMÓRIA
Mas também os partidários de Serafim Tibúrcio ficaram por estas terras e procuraram, com os meios que eles dispunham, perpetuar este momento da história. No dia 06 de junho de 1909, o jornal “O Independente”, destacava, dedicando parte da primeira página deste semanário, à vinda do cel. Tibúrcio a Manhuaçu. O redator deste jornal era Cezar Leite, que quase duas décadas depois seria o idealizador do hospital que recebeu o seu nome.
O texto assim começava: “Foi com grande enthusiasmo e immenso regozijo que recebemos a fausta notícia do breve regresso a este município do benemérito coronel Serafim Tibúrcio da Costa, preclaro republicano do tempo da propaganda, companheiro de Silva Jardim, Benevenuto Lobo, João Pinheiro e outros de saudosa memória. De quem era cordial e sincero amigo”.
Durante todo o texto, o coronel é enaltecido por suas conquistas para a sociedade de Manhuaçu e a criação do jornal “O Manhuassu”. Destaca o momento em que foi vilipendiado do poder público nos anos que antecederam a revolta. “... esperando que esta recepção seja condigna do valor moral de tão distincto e valoroso chefe restituído á sua primitiva posição, extorquida por meios clandestinos e sorrateiros de uma politicagem baixa e traiçoeira, fazendo desaparecer de nosso ambient, as ratazanas, os morcegos, as corujas e todos os roctivagos que, sob a proteção das trevas, sugam o suor do povo.”

Através de publicações deste tipo, que se transformaram em primoroso arquivo na Câmara Municipal de Manhuaçu e através também da memória de muitos moradores, a República de Manhuassu permanece viva e aos poucos seu silêncio vai dando lugar ao som inquietante da História.

Publicado na edição de 07 de abril de 2013.

Documento histórico comprova a importância de Tibúrcio para a região